ana fogo

CIDADES FLUTUANTES / 2012

CIDADES FLUTUANTES / 2012 - para mim a pintura sempre foi isso, gesto e cores - expressividade. enquanto o desenho é mais objetivo e racional, formas e linhas, limpo, sério, mental, meditativo, a pintura então é uma explosão subjetiva de cores, intuitiva, sem rascunhos ou projetos, ela acontece no afã do momento, sem rumo, segue o percurso do pincel, do braço, do corpo, então a pintura é grande, expansiva, expressiva, gestual intuitiva, nas cores que acontecem, nunca sei o que vem depois, nunca sei o que está sendo agora, apenas é...e depois a racionalização do que foi, a compreensão, a análise, a descoberta. o desenho, ainda que um gesto expressivo, é mais contido, é menor, é consciente, é mental, linhas que delineiam uma idéia. pintura é gesto que explode sentimentos. o racional e o emocional. o duo no um. eu toda.

DESENHOS DE GATINHOS À NANQUIM SOBRE PAREDES DO AMBIENTE

deZENhos

Num mundo do tudo ao mesmo tempo aqui agora, onde a poluição de toda espécie é rotina, e a violência é um fardo a se carregar todos os dias, onde o bem e o mal se confundem no lucro das relações, a simplicidade do preto no branco, a leveza da pequena dimensão/ocupação do espaço, a ousadia da figuração de gatinhos fofinhos, a limpeza de uma idéia enquanto postura diante da vida, é que é o inusitado, o inesperado, o inconveniente. Se a questão da arte contemporânea se propõe pensamento e fruição, o pretenso lirismo silencioso de desenhos sutis no ambiente é que é a resposta, porque não o belo?

A Desilusão da Arte

Vivemos a era da desilusão. Na idade média a ilusão era Deus, no renascimento era a racionalidade do homem a resposta de todas as perguntas. Hoje sei que o arco-íris não passa de difração da luz sobre as gotículas de água no ar após a chuva, não há pote de ouro algum, o eclipse não é sinal de mau presságio, é apenas alinhamento de planetas e estrela, o sol é apenas uma estrela, não é um deus infinito, e como tal, vai um dia acabar, também o meu amor não é exatamente aquele que preencherá meus buracos-negros internos, é uma projeção de minhas ansiedades, e coitado, vai ser dispensado violentamente daqui a algum tempo quando eu me der conta disso, a não ser que eu pudesse me desvencilhar desse imenso egoísmo narcisista que a História me fez acumular com o decorrer dos fatos. Ou seja, a ciência, a psicanálise, a extensa e salvadora racionalidade humana tornou o mundo uma desilusão, não acredito mais em fadas ou teorias políticas, e como artista, não me satisfaz mais copiar a natureza ou representar uma ilusão de mundo, preciso agora escancarar essa minha depressão narcisista pessoal em trabalhos que ocupem espaços maiores, raciocínios complexos, palavreados imensos, não me basta um simples e lindo quadro pintado à óleo. A não ser Qiu shi huá!

Porque está uma chatice imensa essa carência intelectualóide agressiva das exposições de arte atuais em suas megalomaníacas produções incompreensíveis e mal resolvidas. Eu não vou sair da minha casa, dispor de meu precioso tempo e segurança pessoal em busca de algum lirismo e esperança nesse mundo perdido, e acabar sendo agredida por questões que não me dizem respeito, violência eu vejo na TV todos os dias no café da manhã.

A Arte não deve ser apenas um espelho de seu tempo, ela precisa ser ação, se vivemos também a era da globalização, então a arte da atualidade tem o papel fundamental de reaproximar as pessoas, oferecer saída para esse isolamento de especialistas cada qual no seu território, a Arte deve ser o território da união, da conjunção, da conjugação do verbo ser, não ter.

Artistas, o mundo não precisa de seus problemas, o mundo carece de solução!

SAMAMBAIA TAMBÉM É GENTE

Hoje muito se debate sobre a diversidade, entenda ou não, deve se respeitar as diferenças humanas com suas raças, culturas e religiões ou preferências sexuais, as mais estranhas que sejam, hábitos adaptados ao seu ambiente específico, enfim, tudo tem uma razão de ser e acontecer e por isso mesmo deve-se olhar o outro com certa flexibilidade e com muito carinho alcançar a compreensão da alma humana...eu, daqui da minha superioridade racional (humana), quase não percebo ao fundo da sala uma aflitiva batalha da samambaia, que presa num pequeno naco de xaxim, pendurada próxima a janela, essa doce criatura tenta desesperadamente o heróico ato de estender sofregamente ao máximo suas folhinhas pálidas em direção à alcançar um ínfimo raio de sol de inverno, que aliás nessa época do ano, muito na lateral, mal ilumina o canto da sala, e na verdade foi o gato, com seu miado enigmático, quem me chamou atenção à cena, este, o irracional, ainda com a compreensão de perceber um sutil ganido do esforço verde lá ao longe a favor de sua existência, este que ainda se surpreende com minhas eufóricas reações diante da TV ou do computador, coisa que ele não entende, mas com toda sabedoria procura conviver harmonicamente com todos esses seres ao seu redor, eu, a samambaia, o vizinho que o persegue quando sai em passeio pelo jardim... percebo agora mais atentamente que a guerreira por sinal, traz esse amarelado pálido e tento relembrar da última vez que sorveu alguma gota de água, um ser tão simples e perfeito, só água e luz, e eu, que necessito de tantas maravilhas tecnológicas e nutrição balanceada e roupas e carros da moda e chocolates e doces etc etc, mal me lembro de cuidar de tão pouco, água e luz! aquele ser, que de preocupação só tem a janela à alcançar e se haverá água ainda hoje, penso, deve pensar muito diferente daquela outra planta que mora lá na distante e fechada mata, que por preocupações só tem os dias intensos de chuva ou de sol, algum felino que passa por suas folhagens, sapos que brigam ao seu redor, seres que carregam seu pólen ou trazem de outrem...é claro que estes dois seres pensam muito diferente um do outro, e é mais claro ainda nesse momento pra mim, que estes seres pensam, a samambaia, o gato, o sapo, o vizinho, pensam como samambaia, como gato, como sapo, como vizinho, mais simples ou não, pretensões humanas à parte, pensam conforme sua estrutura complexa, seu ambiente e problemas, relações de seu universo infinito pessoal, mas pensam, resolvem questões do cotidiano, e esse gato, que me olha curioso quando choro diante da TV, tenta profundamente compreender minhas reações mais sutis, tanto que quando é pra tomar o remédio, somente o tom da minha voz lhe é ricamente informativa... e dá-lhe pegar esse danado! ...e eu, ser superior, que maltrato minha prole e destruo o ambiente que me provêm, mal percebo as variações nem tão sutis de meu entorno, os variados miados do gato ou a coitada da samambaia que ainda geme ao fundo da sala na esperança de uma hora eu levar-lhe um pouco d’água...levanto e sirvo o que lhe é digno, viva a magnífica pensante Gaia!